'Não vou mais ao Rio': Como medo de ataques fez alguns brasileiros desistirem de torcer na Olimpíada
- Rafael Barifouse
- Da BBC Brasil em São Paulo

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Ivi Salomão e sua família venderam ingressos de tênis que tinham comprado
A engenheira Ivi Salomão, de 44 anos, gosta tanto de tênis que não só pratica o esporte como costuma estar na plateia de algumas das principais competições do mundo, como o último torneio de Roland Garros, ocorrido em maio na França.
A próxima viagem estava marcada: os Jogos Olímpicos do Rio, acompanhada de marido, irmão e cunhado. Mas, com os ataques extremistas realizados no mundo nos últimos meses, eles mudaram de ideia e decidiram assistir aos jogos pela TV.
"Já estava incomodada com a desorganização do evento e os preços caríssimos de estadia. Agora, com a questão da segurança, perdi o tesão. Com tantos atentados seguidos, acho que a Olimpíada é uma ótima oportunidade para esses grupos", diz Ivi, que vive em São Paulo.
"Adoraria ver alguns dos principais jogadores do mundo no Brasil. Tínhamos comprado vários ingressos, mas vendemos tudo. Não quero pagar para ver."
Devoluções
Aparentemente, Ivi e sua família não são os únicos que tomaram essa decisão. A imprensa brasileira noticiou que os problemas de segurança e infraestrutura que rondam os Jogos levaram milhares de pessoas a desistirem de seus ingressos.
Segundo o jornal O Globo, 50 mil entradas teriam sido devolvidas após o governador interino do Rio, Francisco Dornelles, decretar estado de calamidade pública no mês passado.
Já as declarações do prefeito Eduardo Paes à emissora CNN - ele classificou a segurança do Estado como "terrível" - teriam levado à devolução de mais 20 mil, de acordo com a Veja.
Por sua vez, o jornal O Estado de S. Paulo noticiou que 40 mil ingressos teriam sido cancelados após a fala de Paes.
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Governo anunciou ter prendido suspeitos de planejar ataque na Olimpíada
À BBC Brasil, o comitê organizador da Rio 2016 disse não reconhecer esses números e afirmou que ingressos não podem ser cancelados, só revendidos por meio do site oficial ou repassados para amigos e conhecidos.
Também informou que os dados de seu sistema de vendas não apontam esses picos de devoluções.
'Gota d'água'
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Ana Paula havia comprado ingressos de três modalidades, mas desistiu de ir ao Rio
João Fellet tenta entender como brasileiros chegaram ao grau atual de divisão.
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Ouvida pela BBC Brasil antes do início dos jogos, a administradora de empresas Ana Paula Carvalho, de 46 anos, afirmou que ainda não tinha se desfeito dos ingressos para partidas de basquete, handebol e vôlei que havia comprado para ela, o marido e os três filhos, mas que já tinha decidido que não iria ao Rio.
"Quando começaram esses atentados, eu e meu marido nos perguntamos se valia a pena correr o risco. Imagina se acontece como em Nice? Você está andando à beira-mar e, de repente, vem um louco atirando e passando por cima das pessoas", diz Ana Paula, que conta ter desistido de vez após a entrevista de Paes.
"Foi a gota d'água. Se o próprio prefeito do Rio não acredita que há condição de garantir a segurança do evento, não vamos ser nós que vamos arriscar a nossa vida e a de nossos filhos. Vou guardar os ingressos de lembrança."
A proteção dos Jogos contra atentados passou a chamar mais atenção neste ano após uma sequência de ataques em cidades de diferentes lugares do mundo, como Jacarta, na Indonésia, Istambul e Ancara, na Turquia, Bruxelas, na Bélgica, Orlando, nos Estados Unidos, Nice, na França, e Munique, na Alemanha.
Em julho o Ministério da Justiça anunciou a prisão de um grupo de brasileiros suspeitos de organizar um ataque durante os Jogos.
Preocupação
Por meio da página da BBC Brasil no Facebook, alguns leitores admitiram, antes dos jogos, estar preocupados com a segurança do evento.
"Comprei ingressos no ano passado e desisti de ir devido à violência no Estado e à chance de ataques terroristas", disse uma leitora de Belo Horizonte.
"Eu não arriscaria, não por causa da violência comum, mas por risco de atentado", comentou outro leitor.
Crédito, Reuters
Ataques realizados neste ano aumentaram preocupação com segurança dos Jogos
Ao mesmo tempo, houve quem minimizasse essa possibilidade.
"O risco é mínimo. O fato de outros ataques terem acontecido recentemente vai deixar o Brasil de olho aberto", afirmou um leitor de Natal.
"Não vai acontecer nada. Foi a mesma história na Copa do Mundo. Até na França esperaram a Eurocopa acabar para atacarem Nice...", comentou outra leitora.
'Ameaça real'
No início de julho, o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, disse que "não há probabilidade de haver algum ato terrorista" durante os Jogos.
"A possibilidade existe no mundo todo, mas não há a probabilidade. Podem ficar absolutamente tranquilos. Mas trabalhamos como se houvesse", afirmou.
Em outra ocasião, Moraes declarou que o atentado em Nice faz com que haja mais atenção com a segurança do evento, mas disse que "não houve mudança de patamar" no risco de um evento do tipo na Olimpíada.
E, em entrevista para à Folha de S. Paulo, o ministro disse que a criminalidade carioca "preocupa mais do que o terrorismo".
No entanto, para Heni Ozi Cuckier, cientista político que já trabalhou no Conselho de Segurança da ONU e é professor de relações internacionais da ESPM, existe uma "ameaça real" de atentado durante os Jogos.
"O Brasil está na rota do terrorismo não por causa de nacionalidade, etnia ou religião, mas porque vai sediar o maior evento esportivo do mundo. Só o fato de existirem pessoas falando sobre isso, como mostram as prisões feitas agora, é uma prova disso", afirmou à BBC Brasil.
"O terrorismo precisa de uma plataforma para suas ações teatrais, e nada melhor que esse grande palco que é a Olimpíada."
No entanto, ele avalia que são pequenas as chances de ataques a locais de destaque nos Jogos ou aos principais pontos turísticos da cidade.
"As autoridades já sabem há tempos que aeroportos, estádios e lugares como o Cristo Redentor demandam precaução. Por isso, haverá policiamento ostensivo, muitas câmeras e muitas pessoas atentas a algo suspeito. A preocupação maior é com eventos paralelos fora dos lugares de competição", disse Cuckier.
O especialista vê como "um sinal positivo" as prisões feitas pelo governo brasileiro, mas faz um alerta.
"É bom que nosso monitoramento e inteligência tenham captado esse grupo, mas eles são amadores. Esse tipo de trabalho tem que ser melhor, porque, com o que temos hoje, se houver uma ação mais sofisticada, a situação complica."