De Paraolimpíada a Paralimpíada: por que a mudança?

  • Jefferson Puff - @_jeffersonpuff
  • Da BBC Brasil no Rio de Janeiro
O atleta cadeirante Aaron "Wheelz" Fotheringham deu um mortal através do 0 que encerrava a contagem regressiva para o evento.

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A autoridade máxima do esporte paralímpico deixa claro que é mesmo incorreto se referir à competição como 'Paraolimpíada'

Os Jogos Paralímpicos estão na sua 15ª edição e já foram oficialmente chamados de "Paraolimpíadas". A mudança, determinada pelo Comitê Paralímpico Internacional (CPI) em 2011 e acatada pelas autoridades brasileiras, gera dúvidas e controvérsia.

Afinal, existe uma forma correta de se referir ao evento? Segundo linguistas ouvidos pela BBC Brasil, o termo correto deve manter o "o" como em 'paraolimpíada'. Segundo os organizadores, no entanto, a forma correta de se referir ao evento é 'paralimpíada', sem o "o".

Contactado pela BBC Brasil, o Comitê Paralímpico Internacional disse que, desde sua fundação em 1989, usa o termo "Paralímpiada", do inglês "Paralympics", e que nunca se referiu às competições de outra maneira em inglês. Alguns países, entretanto, entre eles o Brasil, optavam por "Paraolimpíada" por questões linguísticas.

Segundo linguistas consultados pela BBC Brasil, o vocábulo "paralimpíada" vai contra a evolução natural das palavras em português com a supressão do "o" na junção do "para + olimpíada".

Entenda

Até 2011, no Brasil, as competições eram chamadas oficialmente de "Paraolimpíada" ou "Jogos Paraolímpicos" e os participantes eram conhecidos como "atletas paraolímpicos".

Naquele ano, no entanto, após os Jogos Panamericanos de Guadalajara, no México, o CPI determinou que todos os comitês nacionais padronizassem o termo "Paralimpíada" e, por consequência, "Jogos Paralímpicos" e "atletas paralímpicos". O comitê brasileiro acatou a determinação e mudou a terminologia.

Para Paulo Ledur, mestre em linguística aplicada pela PUC-RS e professor aposentado de língua portuguesa da Escola Superior do Ministério Público do Rio Grande do Sul, a decisão das autoridades esportivas brasileiras de suprimir o "o" a pedido do Comitê Paralímpico Internacional gerou "mal-estar".

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"Acho que não deveria ter sido retirado porque isso não é característica da língua portuguesa. Assim como afetou a autonomia do português, certamente, deve ter afetado outras línguas latinas, como o espanhol", diz Ledur à BBC Brasil.

"Eu continuaria utilizando 'Paraolimpíada', sem dúvida nenhuma. Não há impedimento para quem quiser fazer isso, na forma falada ou escrita, muito pelo contrário".

Uma das principais publicações do país, a Folha de S. Paulo, por exemplo, optou por não usar "paralimpíada". Em um artigo publicado no jornal, o colunista e professor de língua portuguesa Pasquale Cipro Neto argumenta que "não faz o menor sentido" retirar o "o" da palavra.

Para ele, no processo de junção na nossa língua, o que ocorre é a supressão da vogal final do primeiro elemento e não da vogal inicial do segundo elemento - ou seja: "para+olimpíada" faria com que o "a" de "para" fosse suprimido, e não o "o" de "olimpíada". Teríamos como resultado deste processo, que reflete a forma como as pessoas pronunciam a palavra, o vocábulo 'parolímpico'. Pasquale cita comos exemplos equivalentes duas palavras: hidrelétrico e gastrintestinal.

Evolução do idioma e razões comerciais

Ledur diz que, além da regra usual de construção dos vocábulos com o prefixo "para", há outro motivo pelo qual a supressão do "o" no termo não faria sentido.

"A evolução de um idioma se dá sempre de 'baixo para cima'. Ou seja, quando a população começa a usar mais uma forma do que a outra, os dicionários e linguistas podem passar a adotá-la, e nunca o contrário, quando um termo é sugerido de 'cima para baixo', como é o caso com a 'Paralimpíada'", explica.

A padronização, como reconhece o próprio Comitê Paralímpico, tem também origens mercadológicas. "Um motivo mais pragmático para não usar o termo 'Paraolímpico' é que violaria os direitos do Comitê Olímpico Internacional ligados ao nome 'Olímpico' como marca registrada", explica o site oficial das Paralimpíadas.

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Comitê Paralímpico Internacional orientou países sobre a grafia correta do nome dos Jogos

Origens

As origens do termo, seja "Paraolímpiada" ou "Paralimpíada", não são claras. Em inglês, entretanto, parece haver menos controvérsia do que em português e a versão sem o "o" predomina em referências históricas. Segundo explica o CPI, a palavra provavelmente surgiu nos primórdios dos jogos, na década de 50, com a junção das palavras 'paraplégico' e 'Olimpíada'. Essa tese é reforçada pelas primeiras referências escritas ao termo, como um artigo de 1954 que fala em "Paraplegic Games" ou a "Paralympic Tokyo 1964".

Mas, com o passar do tempo, outros tipos de deficiência foram incorporados aos jogos e a interpretação original do termo - que se referia apenas a paraplégicos - foi deixada de lado. A interpretação atual do CPI é a de que o termo "Paralimpíada" indica que o megaevento acontece "em paralelo à Olimpíada" e que os dois movimentos do esporte internacional convivem lado a lado. O significado dos jogos mudou, mas a palavra em inglês permaneceu a mesma.

Em português, especialistas brasileiros sugerem o emprego do termo "Paraolimpíada" como o que melhor reflete não apenas o significado atual dos jogos como também o processo natural de formação de palavras no nosso idioma.