Por que Alexandre de Moraes revogou a própria decisão de censurar reportagem

Crédito, Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
Ao abrir inquérito, Toffoli designou Moraes para relatar o caso
*Texto atualizado pela última vez às 19h41 de quinta-feira, 18/04/2019.
O ministro do STF Alexandre de Moraes decidiu no tarde desta quinta-feira (18) revogar uma decisão dele próprio, que tirou do ar reportagem da revista digital Crusoé.
A reportagem, da última quinta-feira (11), relata a existência de um documento no qual o empreiteiro e delator da Lava Jato Marcelo Odebrecht afirma que o atual presidente do STF, ministro Dias Toffoli, era o dono do apelido "o amigo do amigo do meu pai" em e-mails de executivos da empresa.
Em nova decisão, o ministro justificou sua atitude anterior dizendo que "esclarecimentos feitos pela Procuradoria-Geral da República não confirmaram o teor e nem mesmo a existência de documento sigiloso" citado na matéria da revista, também reproduzida pelo site O Antagonista.
"Determinei cautelarmente ao site O Antagonista e a revista Crusoé que retirassem matéria já veiculada nos respectivos ambientes virtuais e intitulada 'O amigo do amigo de meu pai'", afirmou o ministro.
Segundo a reportagem, uma cópia do documento havia sido enviada à procuradora-geral da República, Raquel Dodge, "para que ela avalie se é caso ou não de abrir uma frente de investigação sobre o ministro - por integrar a Suprema Corte, ele tem foro privilegiado e só pode ser investigado pela PGR."
De acordo com Moraes, ao ver que a "afirmação jornalística" era incongruente com "os esclarecimento da PGR", pediu "à autoridade competente cópia integral dos autos referidos pela matéria, para verificação das afirmações realizadas".
O ministro seguiu argumentando que o documento só foi enviado pelo MPF-PR à Procuradoria na tarde da sexta-feira, 12 de abril. Diante da confirmação do envio, ele afirmou não ser mais necessária a censura.
Moraes afirmou também que não houve censura prévia: "Foi o que ocorreu na presente hipótese, onde inexistente qualquer censura prévia, determinou-se cautelarmente a retirada posterior de matéria baseada em documento sigiloso cuja existência e veracidade não estavam sequer comprovadas e com potencialidade lesiva a à honra pessoal do Presidente do Supremo Tribunal Federal e institucional da própria Corte (...)"
Crédito, José Cruz/Agência Brasil
Inquérito que apura ataques contra a Corte e ministros foi aberto em março pelo presidente do STF, Dias Toffoli.
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Desde que foi tomada, a decisão de retirar a reportagem do ar gerou críticas de associações, jornalistas e até de outros ministros do STF, que podem ter pesado no recuo de Alexandre de Moraes.
O assunto foi comentado pelos ministros do STF Marco Aurélio Mello e Celso de Mello. Este último é o ministro decano (mais antigo) da corte.
"A censura, qualquer tipo de censura, mesmo aquela ordenada pelo Poder Judiciário, mostra-se prática ilegítima, autocrática e essencialmente incompatível com o regime das liberdades fundamentais consagrado pela Constituição da República", disse Celso de Mello.
Já Marco Aurélio disse que a decisão era "inconcebível".
"Estou há 28 anos no tribunal e nunca vi uma decisão dessas de retirar reportagem. Pela nossa Constituição, todos temos direito à informação, presta informação, direito à livre expressão. (...) O que houve foi um ato imediato, do ministro Alexandre, tirando do ar o que estava no sítio da Crusoé. Para mim, ressoa como uma verdadeira censura e é inconcebível", disse.
Minutos antes de Moraes revogar sua decisão outra ministra do STF, Cármen Lúcia, falou ao jornal O Globo que concodava com o colega Celso de Mello.
"Aliás, como sempre falei, toda censura é mordaça e toda mordaça é incompatível com a democracia. Foi muito bom o decano ter falado sobre isso. Ele tem um compromisso enorme com estes princípios (liberdade de expressão e de imprensa)."
Crédito, Nelson Jr./SCO/STF
"Qualquer tipo de censura, mesmo aquela ordenada pelo Poder Judiciário, mostra-se prática ilegítima", disse Celso de Mello sobre primeira decisão de Moraes
A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo, a Abraji, divulgou nota criticando a decisão de Moraes.
"É grave acusar quem faz jornalismo com base em fontes oficiais e documentos de difundir "fake news", independentemente de o conteúdo estar correto ou não. Mais grave ainda é se utilizar deste conceito vago, que algumas autoridades usam para desqualificar tudo o que as desagrada, para determinar supressão de conteúdo jornalístico da internet. O precedente que se abre com essa medida é uma ameaça grave à liberdade de expressão, princípio constitucional que o STF afirma defender", diz um trecho do texto da Abraji.
Outra entidade de classe a criticar a decisão foi a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil). O órgão lembrou decisões anteriores do próprio STF que afastaram a possibilidade de retirar conteúdo jornalístico do ar.
A OAB manifestou "preocupação" com a medida. "A liberdade de imprensa é inegociável, até porque é fundamento da democracia representativa, razão pela qual a diretoria do Conselho Federal da OAB espera o pleno respeito à Constituição Federal e a defesa da plena liberdade de imprensa e de expressão".
Organismos da imprensa como a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj); a Associação Nacional de Editores de Revistas (ANER) e a Associação Nacional de Jornais (ANJ) também se manifestaram contra a decisão de Moraes.
Além disso, a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), que representa os integrantes do MPF, entrou com uma ação no próprio STF pedindo o fim do inquérito aberto por Dias Toffoli.
O inquérito
As decisões do ministro foram tomadas em um inquérito aberto em 14 de março por Dias Toffoli, cujo objetivo era investigar ataques e notícias falsas divulgadas online contra o Supremo e seus integrantes. Alexandre de Moraes foi designado por Toffoli para ser o relator do inquérito.
A investigação, ordenada de ofício pelo ministro, também resultou nesta semana em mandados de busca e apreensão nas casas de usuários do Twitter, além da retirada do ar da reportagem.
Crédito, José Cruz/Agência Brasil
Dodge se manifestou pelo arquivamento do inquérito aberto para apurar 'fake news'
Na decisão desta quarta-feira, o ministro defendeu a investigação e negou que ela pretenda restringir a liberdade de expressão. "Os atos investigados são práticas de condutas criminosas, que desvirtuando a liberdade de expressão, pretendem utilizá-la como verdadeiro escudo protetivo para a consumação de atividades ilícitas contra os membros da Corte e a própria estabilidade institucional do Supremo Tribunal Federal", afirmou.
A determinação de Alexandre de Moraes de retirar do ar a reportagem foi tomada no dia 15, quatro dias depois que o material foi publicado.
O texto se baseia em informações prestadas por Marcelo Odebrecht aos investigadores da força-tarefa da Lava Jato. Numa conversa por e-mail entre executivos da empreiteira da família de Marcelo, um deles pergunta se o pai do empresário, Emílio Odebrecht, falaria com o "amigo do amigo", como parte de uma negociação.
Ao ser questionado pelos investigadores, Marcelo Odebrecht disse que o tal "amigo do amigo" seria atual presidente do STF, que na época era advogado-geral da União.
A decisão de Moraes de mandar os veículos retirarem a matéria do ar foi tomada após a PGR dizer que nunca recebeu o documento com a acusação - como dizia a reportagem. O ministro afirmou, por causa disso, que o texto seria fake news. Segundo o entendimento de Moraes, há "claro abuso no conteúdo da matéria veiculada".
No entanto, a Folha de S. Paulo e a TV Globo tiveram acesso ao documento e confirmaram não se tratar de uma notícia falsa. Embora a PGR não tenha recebido o documento, ele foi incluído nos autos da Lava Jato em 9 de abril e retirado depois da publicação da notícia, segundo a Globo. Não se sabe o motivo, já que o processo é sigiloso.
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