Galã e progressista, premiê do Canadá repete fenômeno Mujica e 'bomba' imagem do país

  • Ernesto Neves
  • De Toronto para a BBC Brasil
Trudeau com filhotes de panda

Crédito, Facebook/Justin Trudeau

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Trudeu tem 4 milhões de seguidores nas redes sociais

Ele tem quatro milhões de seguidores nas redes sociais. Diariamente, seu público recebe fotos e vídeos com alto potencial de curtidas como o batismo de filhotes de urso panda, uma pose de ioga em estilo Matrix e o hasteamento de uma bandeira arco-íris, símbolo do movimento gay, em frente ao Parlamento canadense.

E, nesta semana, a Marvel anunciou que ele irá virar personagem de uma HQ - vestido de boxeador e dando conselhos para outros super-heróis.

Com apenas seis meses de governo, o primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, de 44 anos, é hoje o mais novo queridinho da política mundial. Sua agenda progressista, aliada a uma imagem meticulosamente pensada para soar moderna e informal, projeta uma visão arrojada do Canadá para o mundo.

Trudeau com bandeira do movimento gay

Crédito, Reuters

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Primeiro-ministro tem agenda progressista

"Trudeau é jovem, bonito e capaz de gerar um sentimento de otimismo numa época de incertezas e ansiedade, em que as pessoas estão inclinadas ao pessimismo", diz Stephen Toope, diretor do curso de relações internacionais da Universidade de Toronto.

"É evidente que a imagem do país e de seu presidente estão entrelaçadas. Dessa forma, o Canadá transformou-se num fenômeno de popularidade por se contrapor ao discurso do medo, que domina o debate mundial desde os atentados de 11 de setembro de 2001", diz.

Trudeau fazendo ioga

Crédito, Twitter/JustinTrudeau

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Pose de ioga estilo Matrix fez sucesso nas redes sociais

Entre os assuntos agora relacionados ao país estão o feminismo, após a criação de um gabinete ministerial composto por igual número de homens e mulheres, e a proteção a refugiados de guerra, uma vez que Trudeau abriu as portas para 25 mil sírios.

"A imagem projetada por ele foi muito positiva até agora. Mas a chave para o sucesso de Trudeau, e de qualquer outro governante, continua a ser a capacidade de administrar a economia. Ou seja, usar o seu carisma para colocar em prática ideias que vão além da geração de empregos no curto prazo, garantindo prosperidade nas décadas seguintes", diz Toope.

Justin Trudeau speaks to the media

Crédito, Reuters

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Questionado sobre o motivo de ter um gabinete com o mesmo número de mulheres e homens, Trudeau respondeu: 'porque é 2015'.

Justin Trudeau

Crédito, Marvel/Ramon Perez

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Trudeau aparece na capa de HQ com luvas de boxe

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O fenômeno midiático vivido pelo Canadá atualmente já foi experimentado por outros países. O pequeno Uruguai também viveu dias de glória graças a um líder de apelo popular. Entre 2010 e 2015, período em que foi presidido pelo ex-guerrilheiro socialista José Mujica, o país ganhou visibilidade.

Isso aconteceu graças à postura austera de Mujica, que ganhou a alcunha de "o presidente mais pobre do mundo". Tanto que, em 2013, o Uruguai acabou eleito o país do ano pela revista inglesa The Economist. Intelectuais, celebridades e jovens europeus e americanos se encantaram com o jeito de ser de Mujica, que andava num velho Fusca e doava 90% do salário de presidente.

Mujica também tomou medidas progressistas. A de maior impacto foi a regulamentação da produção, venda e consumo da maconha, algo inédito num continente acostumado à violência da guerra às drogas. Como consequência, o país passou a figurar na mídia internacional e em debates acadêmicos.

Mujica em seu fusca

Crédito, AP

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Mujica projetou Uruguai com sua imagem simples

O efeito Mujica traduziu-se ainda em recordes de turismo. A pequena Montevidéu, antes à sombra de Buenos Aires, hoje é vista como uma espécie de Amsterdã graças à imagem de tolerância. E, com apenas 3,6 milhões de habitantes, o país recebeu em 2015 um numeroso fluxo de turistas - segundo dados da Organização Mundial de Turismo (OMT), a taxa de 808 visitantes para cada 1000 habitantes é inédita na América Latina.

"O impacto de um presidente popular sobre a imagem de um país é muito similar ao que aconteceu com a Igreja Católica. Com sua personalidade ligada às camadas populares e um discurso unificador, a ascensão do Papa Francisco revitalizou a imagem do catolicismo. Sua capacidade de conquistar público é enorme, assim como a de chamar atenção para as principais questões globais", diz Michael Mulvey, especialista em marketing do consumo e professor de publicidade da Universidade de Ottawa.

FHC e Lula

FHC recebe titulo de doutor em Cambridge

Crédito, AP

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Para especialista, ex-presidente FHC atraiu inédita onda de atenção para o Brasil

Nos últimos 20 anos, o Brasil também foi alçado ao estrelato graças à presença de governantes marcantes. Reconhecido pela atuação como sociólogo, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) atraiu uma inédita onda de atenção mundial para o país, após décadas de atraso político e caos econômico.

"Com suas falas bem preparadas e ações, ele solidificou uma imagem de seriedade e boa administração para o público externo com interesses econômicos, acadêmicos e culturais pelo Brasil", diz Paulo Wrobel, professor do Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio.

"Especialmente em sistemas presidencialistas, um país ganha status internacional se ele tem uma liderança minimamente competente", diz Wrobel.

A boa fase prosseguiu durante o governo de Lula, que fugia da imagem de político sisudo e distante do público. "Ele transmitia confiança no país com seu discurso de ascensão social e redução das desigualdades", diz Wrobel à BBC Brasil. "E também um lado anedótico, pitoresco, que foi capitalizado de forma inteligente pelo próprio Lula", afirma.

Lula e Obama

Crédito, Presidencia

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Obama chegou a dizer que Lula era o 'político mais popular da Terra'

A projeção internacional, no entanto, foi drasticamente reduzida com a eleição da presidente Dilma Rousseff. "O que foi conquistado nas últimas duas décadas evaporou-se. Dilma não tem o conteúdo de Fernando Henrique e tampouco o magnetismo de Lula", diz Wrobel.

Wrobel não vê saída rápida para a atual atrofia na imagem do Brasil. "Fernando Henrique demorou anos de mandato para conseguir projeção internacional. Lula também. Michel Temer, se continuar, vai governar somente mais dois anos. Não é o suficiente", diz.