Indiana que acusou parlamentar de estupro morre após atear fogo em si mesma
- Geeta Pandey
- BBC News em Déli (Índia)

Crédito, Getty Images
Protesto em Déli; mulher de 24 anos e amigo foram para a frente da Suprema Corte denunciar impunidade em denúncia de violência sexual, atearam fogo em si mesmos e morreram
A morte de uma mulher indiana de 24 anos, que ateou fogo em si mesma na semana passada após travar uma batalha para denunciar um parlamentar por estupro, trouxe à tona novamente o enorme problema da violência sexual contra as mulheres no país — e a falta de assistência e impunidade subsequentes.
A mulher e um amigo fizeram uma transmissão ao vivo no Facebook em 16 de agosto antes de jogarem gasolina sobre si mesmos e acenderem o fogo em frente à Suprema Corte da Índia. Eles foram levados ao hospital com queimaduras graves; o homem morreu no sábado (21/8) e ela, na terça-feira (24).
A mulher acusava Atul Rai, um parlamentar do Partido Bahujan Samaj (BSP, na sigla em inglês), de estuprá-la na casa dele na cidade de Varanasi. Ela registrou uma queixa policial em maio de 2019.
Rai, que nega a acusação, foi detido um mês depois e está na prisão há dois anos.
Em novembro do ano passado, o irmão dele registrou uma queixa policial acusando a mulher de fraude. Ela disse que a acusação é "falsa", mas no início deste mês, um tribunal emitiu um mandado de prisão contra ela.
Em um ato desesperado, ela e um amigo viajaram do Estado de Uttar Pradesh até a capital, Déli, para protestar com suas vidas em frente à Suprema Corte.
Assistir ao vídeo da transmissão no Facebook é difícil: há momentos em que a voz dela falha e ele sufoca. O desespero de ambos é desolador.
No vídeo, a jovem acusa o parlamentar de usar a influência para assediá-la. Ela e o amigo nomeiam vários policiais e até um juiz, acusando-os de conluio com o político.
"Chegamos ao destino que eles queriam. Eles se esforçaram no último ano e meio para nos empurrar até esse ponto", diz a mulher no vídeo.
"As autoridades têm nos forçado a morrer desde novembro de 2020. Queremos que todos vocês, os cidadãos de Uttar Pradesh e do país, ouçam isso", diz o amigo dela.
"O passo que vamos dar é doloroso e assustador. Também estamos um pouco assustados, mas esse medo não tem sentido", acrescenta ele, minutos antes de acenderem o fogo.
Autoridades estaduais afirmaram que estão investigando as acusações de conluio e que suspenderam dois policiais.
Pressão por punição
Estupros e crimes sexuais na Índia estão sob os holofotes globais desde dezembro de 2012, quando uma mulher de 23 anos foi estuprada por seis homens em um ônibus na capital. Ela morreu poucos dias depois por conta de ferimentos decorrentes do ataque.
O ocorrido forçou a Índia a introduzir novas leis mais duras para lidar com crimes de natureza sexual. Cinco homens foram condenados à pena de morte e quatro deles foram executados no ano passado.
Crédito, Reuters
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Mas, apesar da crescente visibilidade do tema, o número de crimes sexuais contra as mulheres não diminuiu no país. Em 2018, a polícia registrou 33.977 casos de estupro na Índia — um ataque a cada 15 minutos. Ativistas dizem que os números na realidade são muito maiores, pois muitos não são nem registrados; e que há muita impunidade, especialmente quando os acusados são homens influentes com dinheiro ou poder político.
E em nenhum lugar isso é mais visível do que em Uttar Pradesh, um Estado com enormes problemas socioeconômicos e uma população maior do que o Brasil.
De lá, outra mulher tentou colocar fogo em si mesma em 2018, depois que a polícia falhou em dar seguimento à sua queixa de estupro contra Kuldeep Sengar, um parlamentar do partido governante Bharatiya Janata (BJP).
Por meses depois da denúncia, Sengar continuou no partido, exercendo enorme poder. A mulher acusou a polícia de comprometimento com o político; depois, o pai dela foi preso e morreu sob custódia.
Foi somente depois da tentativa de atear fogo em si mesma que seu caso foi transferido para fora de Uttar Pradesh e, em 2019, um tribunal em Déli considerou o político culpado e o condenou à prisão perpétua.
Em outro ataque, uma mulher que se preparava para testemunhar contra homens que acusava de estupro foi queimada. Ela morreu no hospital três dias depois.
Crédito, Abhishek Mathur/BBC
Família de jovem de 19 anos estuprada diz que ela foi cremada à força por autoridades
Também no ano passado, autoridades estaduais foram condenadas pela forma como responderam a uma acusação de estupro coletivo e assassinato de uma jovem de 19 anos por quatro homens de casta superior.
A história causou indignação global depois que a família da mulher afirmou que as autoridades cremaram o corpo dela à força.
Para ativistas, se a Índia quer levar a sério seu plano de reduzir os casos de violência sexual, os perpetradores, por mais poderosos que sejam, devem ser punidos.
*Colaborou na reportagem Samiratmaj Mishra, da BBC Hindi
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