Conheça os mamíferos de sangue frio

  • Henry Nicholls
  • Da BBC Earth
O rato-toupeira-pelado
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O rato-toupeira-pelado não regula a própria temperatura

Quando a BBC Earth foi ao Facebook e perguntou a sua audiência se existiam mamíferos de sangue frio, a reação foi forte, com alguns classificando a pergunta como "imbecil" e mesmo dizendo que sua inteligência tinha sido insultada.

Mas a intenção não foi deixar ninguém zangado. Apenas queríamos saber se, em mundo tão vasto e surprendente como o nosso, poderiam haver exceções à regra. E há.

Mamíferos são animais majoritariamente coberto por pelos e que alimentam seus filhotes com leite. O que vai de ratos até humanos. É verdade que podem produzir seu próprio calor, um talento conhecido como endotermia, e isso significa que a maioria das espécies têm sangue quente. Mantêm uma temperatura alta e constante, o que permite seu funcionamento em uma série de condições.

Por isso é que a maioria dos livros escolares define mamíferos como animais de sangue quente para diferenciá-los de criaturas ectotérmicas, cuja temperatura corporal é totalmente dependente de seus arredores.

Crédito, Philippe Clément

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O esquilo do Ártico consegue reduzir sua temperatura para abaixo de zero

Só que as regras da biologia foram feitas para ao menos serem "entortadas".

Há uma série de mamíferos que contam com uma abordagem mais relaxada - esses animais "heterotérmicos" realmente não podem ser definidos como possuidores de sangue quente. Mas também não são criaturas de sangue frio, da mesma maneira que peixes, répteis e anfíbios. Mas são capazes de feitos impressionantes de resfriamento.

"O quanto mais procuramos, mais espécies encontramos fazendo isso", explica Justin Boyles, ecologista da Universidade Southern Illinois, nos EUA.

E um dos exemplos mais extremos de animal heterotérmico é o esquilo-do-ártico. Em um estudo publicado em 1989, Brian Barnes, cientista da Universidade do Alasca, estudou os animais durante sua hibernação. Descobriu que eles conseguiam reduzir sua temperatura para abaixo de zero (em alguns casos, menos 2,9ºC) sem congelarem.

Crédito, blickwinkel / Alamy Stock Photo

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O lêmur pode passar 10 horas em torpor

Muitos outros mamíferos conseguem esfriar. Na verdade, filhotes de mamíferos, quando nascem, dependem totalmente da temperatura do meio ambiente. A habilidade de gerar calor apenas é desenvolvida mais tarde.

Quando dormem, mamíferos veem suas temperaturas cair um grau ou dois.

Criaturas menores, incluindo roedores, morcegos, marsupiais e mesmo alguns primatas, desenvolveram uma maneira de reduzir sua temperatura ainda mais. Eles entram em um estado de conservação de energia conhecido como torpor diurno. O morcego Syconycteris australis, por exemplo, pode reduzir sua temperatura de 36ºC para apenas 20ºC durante o dia.

Em um caso mais extremo, o lêmur-pigmeu de Madagascar pode passar 10 horas em torpor, com sua temperatura abaixo de 7ºC.

Alguns outros mamíferos podem entrar em um torpor ainda mais prolongado. Chamamos isso de hibernação se isso ocorre no inverno e estivação no verão. Nesse estágio, seu sangue fica ainda mais frio.

E o que dizer do rato-toupeira-pelado (sim, aquele altamente resistente ao câncer)? Eles não controlam muito bem sua temperatura, mas isso não quer dizer que sejam mamíferos "falhos". Eles simplesmente passam suas vidas inteiras em túneis subterrâneos onde a temperatura normalmente gira entre 29º e 32º.

Crédito, PRISMA ARCHIVO / Alamy Stock Photo

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Ossos do extinto Myotragus balearicus têm padrões parecidos com o de répteis

"Eles não precisam gastar energia com regulação térmica. É um exemplo de adaptação evolucionária, não de limitação fisiológica", diz Boyles.

A leitora Jennifer Jones chamou a atenção para uma espécie antiga de bode chamada Myotragus balearicus. Alguns especialistas argumentam que esse bode era ectotérmico, dependendo do calor do meio ambiente. A evidência é indireta: a estrutura óssea do bode cresceu de forma bastante diferente de outros mamíferos, mas similares a de crocodilos.

O bode viveu há até 3 mil anos nas Ilhas Baleáricas, na Espanha, onde fontes de alimento eram escassas. Esse habitat mais inóspito pode ter determinado que os animais vivessem em estado ectotérmico para conservar energia.

Esses exemplos mostram que manter uma temperatura alta e constante é um exercício duro. É até surpreendente não vermos mais mamíferos passando tempo com sangue mais frio.

Espécies normalmente perdem habilidades quando não são mais necessárias. Animais que vivem em cavernas escuras, por exemplo, tendem perder o uso dos olhos. O rato-toupeira-pelado demonstra que mamíferos vivendo em locais com temperaturas estáveis não precisam de aquecimento interno.

Boyles diz que novos mecanismo de controle de temperatura surgem o tempo todo. "Nos próximos 10 a 15 anos, espero encontrarmos um monte de espécies 'frias' de mamíferos", diz.

Leia versão original dessa reportagem (em inglês) no site BBC Earth.