Mito ou verdade: grandes torneios nos incentivam a praticar mais esporte?

  • Claudia Hammond
  • Da BBC Future
Usain Bolt

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O jamaicano Usain Bolt é bicampeão olímpico nos 100m e 200m rasos e no revezamento 4 x 100m

Sempre que um país se candidata a sediar um grande evento esportivo, uma boa parte do tão falado legado inclui a promessa de que as pessoas passarão a praticar mais esportes e adotarão um estilo de vida mais ativo.

E em nenhuma candidatura essa promessa foi mais marcante do que na de Londres para os Jogos Olímpicos de 2012. Na época da escolha da cidade, em 2005, a então ministra dos Esportes, Tessa Jowell, afirmou que até o início da competição 2 milhões de britânicos teriam iniciado algum tipo de atividade física, outro 1 milhão estariam praticando algum esporte regularmente e 60% dos jovens estariam treinando alguma modalidade por pelo menos cinco horas por semana.

Em um documento ainda mais otimista, o mesmo ministério chegou a dizer que a Olimpíada em Londres iria incentivar "toda a população da Grã-Bretanha a ser mais ativa".

Mas as coisas não foram bem assim. Após os Jogos, números coletados pelo Sport England, órgão governamental responsável por angariar financiamento para a prática de esportes no país, indicaram que o número de pessoas praticando pelo menos 30 minutos de atividades físicas por semana em intensidade moderada havia chegado a 15,5 milhões. Isso significava apenas 1,3% a mais do que ano anterior. Mas desde então, os números começaram a cair.

Modalidades populares

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Organizadores apostam em melhora física da população como legado de Jogos

É claro que a participação varia de esporte para esporte. Boa parte das medalhas britânicas em 2012 veio do ciclismo e do atletismo. Essas modalidades de fato tiveram um aumento no número de adeptos. Mas o remo, que também foi bem nos Jogos de Londres, perdeu 15% de seus praticantes, enquanto a natação também registrou uma queda.

A única diferença significativa parece ter sido entre as pessoas com deficiências, onde houve um aumento entre 2% e 4% no número de novos praticantes de esportes.

Hoje em dia, apenas pouco mais de 30% dos britânicos fazem alguma atividade física pelo menos uma vez por semana, segundo estudos feitos pelo sistema de saúde.

E a Grã-Bretanha não está sozinha. Depois dos Jogos Olímpicos de Sydney, em 2000, os australianos se tornaram menos ativos. E pior: os índices de obesidade aumentaram, principalmente entre os jovens.

Logo após a Olimpíada de Atenas, em 2004, a perspectiva era mais otimista, já que a participação em esportes aumentou 6% na Grécia. Mas cinco anos depois, o número já havia caído 13%, tornando o país menos ativo do que nunca.

É verdade que qualquer avaliação sobre o impacto desses grandes eventos não conta com um grupo de controle. É impossível isolar metade da população durante uma Olimpíada, portanto nunca saberemos o que teria ocorrido com os níveis de atividade física em qualquer um desses países caso eles não tivessem sediado os Jogos.

A única exceção parece ter sido Barcelona, sede da Olimpíada de 1992, onde aparentemente o número de pessoas aderindo a algum esporte aumentou de 47% em 1989 para 51% em 1995. Alguns pesquisadores refutam a metodologia por trás desses dados.

Relação natural?

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Sucesso de britânicos no atletismo em 2012 fez número de adeptos da modalidade aumentar no país

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Mas mesmo que as estatísticas não sejam exatamente estas, por que o nível de atividade física não aumenta após a maioria dos grandes eventos esportivos?

Talvez seja um erro assumir que existe uma relação natural entre assistir a uma competição e adotar aquele esporte. Afinal, ninguém acredita que metade do público de um musical de sucesso vá sair do teatro diretamente para uma aula de canto ou dança.

Ao menos em tese, há três maneiras de fazer com que o ato de assistir a um evento esportivo incentive a prática daquela modalidade, através do chamado "efeito demonstrativo": a primeira é inspirar aqueles que já praticam esportes a fazê-lo com mais frequência; a segunda é encorajar aqueles que aposentaram a atividade física a voltar a praticar; a terceira é incentivar as pessoas a tentarem esportes que nunca fizeram.

Mas quem de nós acredita que pode passar a fazer salto com vara de um dia para o outro? Há quem defenda que atletas de elite fazem parte de uma categoria tão distante da das pessoas comuns que seu efeito pode ser justamente o contrário - ao percebermos que, por mais que treinemos, nunca teremos os mesmos resultados, podemos acabar desestimulados.

Melhores políticas públicas

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Para think tank, instalações e incentivos constantes são fundamentais para fazer pessoas praticarem esportes

Pesquisas de psicólogos sobre o fenômeno da imitação podem ajudar a explicar por que os grandes eventos esportivos nem sempre têm o efeito de incentivar a prática de esportes.

O psicólogo Albert Bandura, da Universidade Stanford, nos Estados Unidos, é um dos principais estudiosos do assunto. Segundo ele, as pessoas costumam copiar comportamentos aos quais estão expostas. Mas para que alguém realmente se inspire no exemplo de outro indivíduo, uma condição é essencial: a reprodução. Ou seja: uma pessoa é fisicamente capaz de repetir aquilo que assiste e acredita que é capaz?

Em grandes eventos esportivos, o nível dos atletas é tão alto que a resposta às perguntas acima muito provavelmente é "não".

É claro que exemplos vindos de outras pessoas são importantes - até mesmo os grandes atletas da história costumam citar outros que lhe serviram de inspiração. Mas em uma escala populacional, esse tipo de parâmetro não é suficiente para fazer com que todos passem a ser mais ativos.

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Após Olimpíada em Sydney, em 2000, obesidade entre australianos aumentou

Em 2004, antes mesmo dos Jogos Olímpicos em Londres, o Instituto para a Pesquisa de Políticas Públicas, uma think tank britânica, estudou os efeitos de grandes eventos sobre o público e alertou para a necessidade de estratégias específicas para que ocorra a mudança de comportamento desejada.

Segundo os autores do relatório, além de ídolos, as pessoas precisam de um incentivo constante, mesmo depois que o evento acaba. Elas também precisam ter exemplos mais próximos, como parentes, amigos e colegas de trabalho que se exercitam. Por fim, é fundamental ter instalações esportivas e profissionais capazes de ajudá-las a se exercitar em seu nível de habilidade.

Fora isso, é preciso entender por que algumas pessoas não gostavam de praticar esportes na infância ou sobre o que mais pode estar impedindo que elas adotem um estilo de vida mais ativo.

Portanto, o problema não é o fato de os grandes eventos não conseguirem incentivar a população a praticar esportes, mas sim a expectativa de que eles teriam essa capacidade.