Qual é o país mais bem educado do mundo?
- Steve John Powell e Angeles Marin Cabello
- Da BBC Travel

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Hospitalidade japonesa combina requintada com desejo de manter a harmonia e evitar conflitos
O Sol já começava a sumir no mar, alertando que talvez tivéssemos matado muito tempo em nosso passeio de bicicleta pela ilha japonesa de Ninoshima, na baía de Hiroshima.
Sem saber o horário do último ferry-boat para o continente, paramos em um bar de beira de estrada para perguntar. A questão motivou olhares preocupados de todos os lados: o último barco estava prestes a sair.
"Você pode conseguir se pegar um atalho", disse um homem, saindo do bar e indicando uma rua estreita morro acima. Como a noite caía rápido, tínhamos sérias dúvidas se conseguiríamos, mas partimos mesmo assim.
Olhando em volta, ficamos impressionados ao ver nosso novo amigo subindo correndo o morro atrás de nós a uma distância discreta, para assegurar que não nos perdêssemos.
Ele só voltou depois que o porto apareceu à frente. Sua gentileza espontânea permitiu que entrássemos no ferry com alguns minutos de folga.
Crédito, Angeles Marin Cabello
A ilha de Ninoshima, na baía de Hiroshima, no Japão
Essa foi uma de nossas primeiras experiências com a omotenashi, que costuma ser traduzida como "hospitalidade japonesa". Na prática, a expressão combina uma polidez requintada com um desejo de manter a harmonia e evitar o conflito.
Modo de vida
Omotenashi é um modo de vida no Japão. Pessoas resfriadas usam máscaras cirúrgicas para evitar infectar outros. Vizinhos se presenteiam com caixas de sabão em pó antes de iniciar obras - um gesto para ajudar a limpar suas roupas do pó que inevitavelmente será produzido.
Funcionários em lojas e restaurantes te cumprimentam com uma deferência e um caloroso irasshaimase (bem-vindo). Colocam a mão embaixo da sua na hora de dar troco para evitar que qualquer moeda caia. Quando você deixa a loja, não é raro que fiquem na porta se curvando até perdê-lo de vista.
Máquinas também praticam o omotenashi. Portas de táxis se abrem automaticamente diante de sua chegada - e o motorista de uniforme branco não espera gorjeta. Elevadores se desculpam por deixá-lo esperando, e quando você entra no banheiro o assento do vaso sanitário se levanta.
Placas indicativas de obras trazem uma imagem fofa de um trabalhador se curvando em deferência.
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Pessoas se curvam em deferência em um templo em Kyoto
Na cultura japonesa, quanto mais uma pessoa vem de longe, maior é a cordialidade em relação a ela - daí a razão de estrangeiros (gaijin - literalmente "pessoas de fora") invariavelmente se impressionarem com a cortesia.
"Ainda me surpreendo depois de nove anos aqui", afirma a professora de espanhol Carmen Lagasca. "As pessoas se curvam ao sentar perto de você no ônibus, e depois de novo quando se levantam. Todo dia percebo algum gesto novo."
Ensinamentos
Mas omotenashi vai além de ser gentil com visitantes; essa atitude perpassa todos os níveis da vida cotidiana e é ensinada desde os primeiros anos de vida.
"Muitos de nós cresceram com um provérbio", diz Noriko Kobayashi, chefe de turismo interno no consórcio DiscoverLink Setouchi, que busca criar empregos, preservar o patrimônio e promover o turismo em Onomichi, na região de Hiroshima.
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Antes de começar reformas, as pessoas oferecem caixas de sabão em pó aos vizinhos
"Ele diz assim: 'Depois que alguém fez algo bom a você, nós devemos fazer algo bom a outra pessoa. Mas depois que alguém faz algo ruim a você, nós não devemos fazer algo ruim a outra pessoa.' Acho que esses ensinamentos nos fazem ser educados no comportamento."
Mas, de onde vem toda essa cortesia e educação? Para Isao Kumakura, professor emérito no Museu Nacional de Etnologia, em Osaka, grande parte da etiqueta japonesa tem origem nos rituais formais de cerimônias de chá e de artes marciais.
Na verdade, a palavra omotenashi, literalmente "espírito de serviço", vem da cerimônia de chá. O anfitrião dessas cerimônias trabalha duro para proporcionar o clima certo para entreter convidados, escolhendo a louça, flores e decoração sem esperar nada em troca.
Os convidados, cientes dos esforços do anfitrião, respondem mostrando uma gratidão quase reverencial. Os dois lados criam um ambiente de harmonia e respeito, ancorado na crença de que o bem público vem antes da necessidade particular.
Código samurai
Do mesmo modo, delicadeza e compaixão eram valores centrais do bushido (o caminho do guerreiro), o código de ética do samurai, a poderosa casta militar que era altamente treinada em artes marciais.
O complexo código, análogo ao da cavalaria medieval, não governava apenas a honra, disciplina e moral, mas também o jeito certo de fazer tudo, da deferência ao ato de servir chá.
Seus preceitos zen demandavam domínio das emoções, serenidade interna e respeito pelo outro, incluindo o inimigo. O bushido se tornou a base para o código de conduta da sociedade em geral.
Crédito, Angeles Marin Cabello
No Japão, a hospitalidade perpassa todos os níveis do cotidiano e é aprendida desde cedo
Uma coisa maravilhosa de estar exposto a tanta gentileza é que se trata de algo tão contagioso como catapora. Você rapidamente estará sendo mais gentil e civilizado, entregando carteiras perdidas à polícia, sorrindo ao dar vez a outros motoristas, levando seu lixo para casa e nunca - nunca - levantando a voz ou assoando o nariz em público.
Não seria ótimo se todo visitante levasse um pouco de omotenashi para casa e espalhasse por aí? O efeito cascata poderia mudar o mundo.
Leia a versão original desta reportagem, em inglês, no site BBC Travel.